O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990, é um instrumento normativo sobre os direitos da criança e do adolescente no Brasil, que estabelece a doutrina da proteção integral, na qual crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento e com prioridade absoluta. A adoção dessa doutrina contrapõe-se ao paradigma da situação irregular presente no Código de Menores, Lei n° 6.697, de 10 de outubro de 1979, historicamente relacionado a um passado de controle e de exclusão social. O ECA, ao contrário, afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano e reconhece sua situação de vulnerabilidade, o que os torna dignos de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado.
A doutrina da proteção integral expressa no art. 1° do ECA traduz o art. 227 da Constituição Federal de 1988. Durante o processo de redemocratização do Brasil, na década de 80, diversos movimentos e organizações sociais voltados à infância articularam-se para a elaboração do artigo 227, aprovado por unanimidade pela Constituinte de 1988. Assim, o Estatuto, apoiando-se também na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989, regulamenta o artigo 227, que assegura a todas as crianças e adolescentes, indistintamente, o exercício pleno da cidadania.
Fruto de construção coletiva, através da articulação de movimentos sociais, agentes do campo jurídico e políticas públicas, o ECA é, portanto, fundado a partir de três eixos básicos: criança e adolescente são sujeitos de direito; afirmação peculiar de pessoa em desenvolvimento, logo sujeito a uma legislação especial; prioridade absoluta na garantia de seus direitos fundamentais. Tais pilares estão dispostos logo na primeira parte do documento e são reforçados nas orientações da segunda parte, chamada de especial.
Sistematicamente, o ECA é organizado em dois momentos. No primeiro, cujas determinações têm um caráter geral, o Estatuto apresenta as disposições preliminares e trata dos direitos fundamentais e da prevenção. Em seu art. 2°, para os efeitos da lei, considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. Nos cinco capítulos do Título II (art. 7º ao 69º), evidencia seus direitos: i) à vida e à saúde; ii) à liberdade, ao respeito e à dignidade; iii) à convivência familiar e comunitária; iv) à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; v) à profissionalização e à proteção ao trabalho. E no preceito sobre a prevenção esclarece, no art. 70, que é dever de todos prevenir a ameaça e a violação dos direitos da criança e do adolescente e que os órgãos públicos devem atuar de forma articulada na elaboração e na execução de políticas e ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, difundindo também formas não violentas de educação. A Parte Especial corresponde ao segundo momento do ECA e trata da Política de Atendimento, das Medidas de Proteção, da Prática de Ato Infracional, das Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável, do Conselho Tutelar, do Acesso à Justiça e dos Crimes e das Infrações Administrativas. Em síntese, o Estatuto estabelece diretrizes das políticas de atendimento, bem como disposições gerais para apuração de ato infracional e o estabelecimento, no art. 112, de medidas socioeducativas (advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI, como orientação, apoio e acompanhamento temporários), descrevendo a forma de aplicação de cada uma delas. Ademais, reforça que as medidas socioeducativas devem ser executadas em uma articulação do conjunto das políticas setoriais direcionadas aos adolescentes em atendimento socioeducativo. Outro destaque no documento são os princípios que regem as medidas de proteção, em consonância com os direitos humanos e a doutrina da proteção integral, além da criação dos conselhos de direitos, dos conselhos tutelares e dos fundos geridos por esses conselhos, estabelecendo, mais uma vez, diálogos entre Estado e sociedade na operacionalização das políticas para crianças e adolescentes.
Após um pouco mais de três décadas de vigência, o ECA se mantém como uma legislação avançada e atualizada. Entre as leis que alteraram o documento de 1990 estão: a Lei que instituiu o SINASE, n° 12.594/ 2012, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; a Lei Menino Bernardo, n° 13.010/ 2014, que determina o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos; a Lei da Primeira Infância, n° 13.257/ 2016, voltada às especificidades da primeira infância, visando à garantia de seu desenvolvimento integral; e a Lei que institui a Escuta Especializada, n° 13.431/ 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Sendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente adota a doutrina da proteção integral, que reconhece a criança e o adolescente como cidadãos em desenvolvimento, garante a estes a mais absoluta prioridade no acesso às políticas sociais e estabelece medidas de prevenção, uma política especial de atendimento e um acesso digno à Justiça.